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Quando pensávamos que tínhamos visto tudo

Realmente o tempo não para de nos trazer novidade e a novidade é quem traz razão ao nosso dever de comunicar. Ainda que o efémero seja o nosso raio de acção, porque a notícia deixa de o ser quando se desenvolve pela opinião pública, não deixa de nos surpreender o efémero de tantos acontecimentos que, forçosamente, vão permanecendo.

Esta semana foi, uma vez mais, prodigiosa em acontecimentos para além do Covid 19, que se mantém no centro da actualidade. Desde o investimento do Governo no Novo Banco, às perdas e proveitos, de alguns, na TAP, à classificação da “Festa do Avante” como património imaterial da cultura política, tudo constitui uma novidade maior, porque já estamos cansados de ouvir falar da pandemia, mas sem nos podermos distanciar dela. Entretiveram-nos as discussões entre o André e o Ricardo, opinámos sobre o 13 de Maio e distraímo-nos, outra vez, de nós. E, de repente, o pior dos acontecimentos acabou por ser revelado no domingo ao final da manhã: o aparecimento da pequena Valentina, já sem vida.

O crime escabroso, presumivelmente cometido pelo seu progenitor, revelou o pior do ser humano e a relatividade da informação. O tema está no centro da curiosidade de todos, sobretudo as motivações e até algum pormenor que pudesse satisfazer a curiosidade de quem horroriza e abomina a ocorrência. Fez apagar a importância da conferência diária da DGS e os dados que nos assustam, porque assutados ficámos com o pior que há no homem.

E tudo isto me leva a perceber, uma vez mais, que este tempo de pandemia não nos mudará assim tanto.  Mudou os hábitos, mudou a consciência das repercussões dos nossos comportamentos na vida dos que nos rodeiam, mudou, talvez forçadamente, algum consumo de bens, mudou a economia, mudou as regras nutricionais, mas ainda não mudou a certeza de que o é preciso mudar radicalmente a nossa conceção de vida humana.

Estamos, em Igreja, a viver a “Semana da Vida”, que este ano propôs como tema de reflexão “A fragilidade humaniza a vida”. A Comissão Episcopal do Laicado e Família, que todos os anos lança como alerta esta semana, recorda que “reconhecer e aceitar a própria fragilidade e cuidar das fragilidades é condição indispensável de humanização pessoal”.

E parece quase irónico ler esta afirmação, quando diante da fragilidade de uma criança de 9 anos se revela a personalidade selvática de quem cometeu o hediondo crime do seu assassinato.

De facto, há muitas coisas que não mudarão, talvez até poderão piorar. Conhecer e aceitar a fragilidade do outro, suportar, acolher e perdoar as suas consequências ajuda o outro a ser mais humano e humaniza as relações, que se tornam fonte de humanização. Cuidar dos mais frágeis humaniza-os, humaniza aquele que cuida e humaniza a sociedade. Mas o contrário também pode acontecer, se continuarmos a deixar-nos reger por um egocentrismo exacerbado, que nos coloca num pedestal alto, onde ninguém consegue chegar porque “não me chega aos calcanhares”. Esta “praga” individual aliada a um capitalismo desenfreado e uma prevaricação da conduta ética, reduzem-nos a um mundo selvático que facilmente se pode reerguer.

Quando pensávamos que já tínhamos visto tudo, quando já nos tínhamos “esquecido” do Rui Pedro, da Joana, da Maddie, de tantas indizíveis formas de violência contra as crianças, eis que a Valentina redespertou o nosso sentido de consternação geral e de indignação.

Não será nunca inoportuno lembrar que só é verdadeiramente humana uma sociedade capaz de chorar pelo mais fracos e a eles se associar na indignação pela injustiça, na solidariedade que transmite esperança.

Ainda não vimos tudo… que vejamos o melhor que há em nós!

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