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Não há mal que sempre dure

Assunção Vaz Patto

A nossa quarentena começa a parecer estúpida: dizem que estamos em guerra, mas não fazemos nada de heróico, ninguém nos diz que somos fantásticos por estar em casa e não vamos ganhar medalhas por isso – apesar de haver uma grande probabilidade de dispararmos o comando da TV, partirmos as molas do sofá e imaginarmos que o colega de casa é um espião inimigo e como o podemos assassinar. Pedimos uma luz ao fundo do túnel, mas depois de terem achado que isto era uma gripezinha sem importância, as vozes dos políticos recuam e dizem que isto está para durar. E todos os dias nos chegam números e números e números cada vez mais negros…Para além daqueles todos que não podem trabalhar em casa e estão a expor-se todos os dias, para nos ajudarem e nos defenderem e que, por isso, nos fazem sentir ainda pior.

Assim como a tele-escola voltou (e deve haver muito político da Antiga Senhora a rir-se nos cemitérios a esse respeito) – resolvi seguir os conselhos daquele tempo e fazer plantações de ervas aromáticas na minha varanda (chegarei às batatas, se tiver tempo).. Este ano temos um mês de Abril em que “a velha queima o carro e o carril”. Chove bastante, e isso é um luxo que não temos tido nos últimos anos – se não fosse o palerma do bicho que nos obriga à quarentena, estávamos na rua a ver as árvores e as plantas a abrirem e a crescer! Para quem tem vasos nas varandas, o processo é engraçado e passa de plantas que crescem o dobro de um dia para o outro a plantas que me pareciam completamente mortas, mas que de repente desataram a dar folhinhas e a rir-se na minha cara.

E é essa mesma Natureza que nos dá as lições de que precisamos para este tempo tão cinzento: contra tudo e contra todos, apesar de não ter a água toda de que provavelmente precisaria, ou a ter água a mais por excesso de zelo, as plantas da varanda, indiferentes à falta de heroísmo da nossa quarentena, crescem, esforçam-se por ter folhas novas e cumprem a sua função na Primavera – ficam viçosas e lindas.

A Páscoa fala-nos de Ressurreição das almas, a Primavera de ressurreição da natureza. Os dois tempos juntam-se e pedem-nos mudança, numa altura em que estamos fechados em casa e obrigam-nos a pensar como podemos fazer este processo de mudança de nós próprios, em que deixamos de depender dos sinais exteriores para mudarmos e passamos a depender de nós próprios para o fazer. E uma das áreas em que temos de fazer essa mudança é na procura da tal luz ao fundo do túnel. Não precisamos de políticos para nos darem essa luz. Não precisamos dos outros para encontrar a esperança. A esperança nasce da nossa confiança em nós próprios e de acreditarmos que venha o que vierm Deus nunca deixará que seja maior do que a nossa alma.

Ao longo deste tempo já ouvi mais do que uma pessoa suspirar por um génio estadista que orientasse o povo, alguém que conseguisse dar ânimo aos portugueses, alguém que desse coragem e confiança num tempo melhor. Mas o povo sabe que não há mal que sempre dure. E o povo também já devia – devíamos – saber que o D. Sebastião não nos vem salvar, nem o plano Marshall da Europa vai resolver algum problema – se é que o Interior não vai continuar a ser Interior até para o dito plano. Não, se há alguma mudança que tem de ser feita aqui e agora é na convicção de que somos senhores do que vamos fazer, que cada um é responsável pelo seu futuro e pelo futuro de todos. Porque heroicamente, em casa, estamos a proteger-nos e a proteger os outros. E quando isto acabar, temos de continuar a fazer o mesmo: olhar por nós e olhar por todos. Só assim, como dizia Fernando Pessoa, vamos continuar a missão do homem do leme, que bateu o pé ao Mostrengo. Nós vamos bater o pé ao Bicho… e continuar em quarentena, até que Deus queira. Todos juntos, a apoiar quem não pode estar e a aguentar, heroicamente, por todos.

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